Teniente de la Guarda Fiscal, Seixas.
Rio Ardila, frontera España y Postugal, cerca de Barrancos.
Hace unos dias (24 y 25 de Marzo) se celebraron las Jornadas "Lisboa Porto de Saída", organizadas por Instituto Cervantes, de Lisboa.
Además de dos mesas redondas, se proyectó el documental "Los refugiados de Barrancos", y se trató de ese episodio humanitario, que se centra en los hechos ocurridos en Septiembre de 1936, en la frontera luso española, cuando los últimos pueblos y ciudades republicanos extremeños situados en el suroeste de la provincia de Badajoz, junto a Portugal, son conquistados por las tropas golpistas del general Franco. Al igual que en Badajoz y otras poblaciones, la represión que desataron fue brutal. El apoyo del dictador portugués Salazar a los golpistas no hacía aconsejable huir hacia Portugal, pero para muchos fue su única salida. De esta manera, cientos de personas decidieron cruzar la frontera perseguidos de cerca por los sublevados. El procedimiento habitual de las autoridades portuguesas fue entregarlos a sus aliados franquistas, que procedieron a fusilarlos sin tardanza. Sin embargo, gracias a la humanitaria intervención del teniente portugués António Augusto de Seixas, se crearon dos campos de refugiados junto a la localidad de Barrancos, para alojar y proteger a este grupo de españoles, en su mayoría extremeños.
Dentro de esas Jornadas, la Antropologa Dulce Simões, que ultima su tesis doctoral, hizo la siguiente disertación que reproducimos a continuación, en su idioma original, por su evidente interés, sobre ese episodio histórico, conocido ya, como el caso de "Los refugiados de Barrancos":
O governo regional da Estremadura espanhola atribuiu ao município de Barrancos o seu máximo galardão, a Medalha da Estremadura de 2008, como símbolo de reconhecimento e gratidão pela solidariedade e acolhimento a todos os estremenhos forçados a fugir do seu País em virtude de conflitos sociais e políticos. Ao longo do processo histórico a fronteira de Barrancos ligou e separou em função de contextos históricos específicos, pautados pela política dos Estados ibéricos e simultaneamente pela acção dos indivíduos, porque apesar de poder ser olhada como uma barreira, a fronteira foi sempre transcendida pelas redes sociais que servem de sustentação às culturas raianas. O reconhecimento institucional resultou de um movimento social iniciado em Fevereiro de 2009 no Facebook, na sequência da projecção do documentário “Los refugiados de Barrancos”, em Cáceres, por iniciativa de cidadãos espanhóis socialmente comprometidos com o movimento de recuperação da memória histórica da II Republica e do franquismo. O caso dos refugiados republicanos acolhidos em Barrancos, que permaneceu silenciado da história de ambos os países durante as ditaduras ibéricas, representando uma “memória colectiva” circunscrita à vida dos seus protagonistas e testemunhas, emerge assim como “objecto histórico” graças à sua mediatização. Neste caso a mediatização permitiu inscrever a memória do acontecimento na história contemporânea, numa versão legitimadora do presente, demonstrando como a memória representa simbolicamente um instrumento de poder. Como afirmou Jacques Le Goff, uma das grandes preocupações das classes e dos grupos que dominam as sociedades com História é tornarem-se senhores da memória e do esquecimento, e “os esquecimentos e os silêncios da História são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória colectiva”.
A guerra civil de Espanha provocou a mais importante “emigração forçada” ao longo da história de Espanha e a crise humanitária decorrente do deslocamento de milhares de pessoas exigiu a intervenção do governo republicano com a criação do Comité Nacional de Refugiados. Na fronteira portuguesa a sua entrada foi constante desde Caminha a Vila Real de Santo António, com maior incidência entre Agosto e Novembro de 1936. Javier Rubio identifica a existência de três momentos de exílios massivos de refugiados espanhóis para território português. O primeiro, na última semana de Julho de 1936, de centenas de carabineiros e milicianos que haviam resistido às forças nacionalistas, a sul da província de Pontevedra e de Orense. O segundo momento ocorre em Agosto quando os habitantes de Encinasola procuram refúgio em Barrancos receando os confrontos entre os carabineiros fiéis ao golpe militar e as milicias republicanas provenientes de Riotinto. Este grupo, constituído principalmente por mulheres, crianças e idosos foi acolhido por várias famílias barranquenhas, com as quais mantinham relações de amizade e de parentesco. O terceiro momento resulta do êxodo republicano provocado pela tomada de Badajoz e a consequente ocupação das localidades estremenhas fronteiriças, pelos nacionalistas. Entre Agosto e Setembro milhares de pessoas procuram refúgio em Portugal, activando as redes de relações sociais com portugueses e compatriotas republicanos. Destes milhares de refugiados algumas centenas de militares e representantes do poder local e regional foram detidos em presídios pela PVDE, enquanto centenas de civis concentrados em Campo Maior e Elvas foram entregues aos nacionalistas na fronteira do Caia.
Entre a chegada dos primeiros refugiados e Outubro de 1936 foram registadas diversas entregas aos nacionalistas, sem contudo ser possível precisar o seu número exacto. Esta actuação sistemática das autoridades portuguesas obrigou o Governo republicano a apresentar ao Comité de Não Intervenção de Londres uma acusação contra Portugal, denunciando a entrega de refugiados às forças nacionalistas para fuzilamentos sumários em Badajoz. Neste contexto de atrocidades e violação dos direitos humanos, os campos de refugiados improvisados na Herdade da Coitadinha e na Herdade das Russianas representaram uma excepção, permitindo a sobrevivência de cerca de 1.020 pessoas. O historiador César Oliveira avançou com uma previsão sobre o número de refugiados republicanos, considerando os entregues e os que foram acolhidos em Portugal, “num valor superior a 2.000 pessoas, podendo mesmo ter ultrapassado as 3.000”. Por outro lado, Javier Rubio fala-nos de 5.000 a 6.000 exilados republicanos em Portugal.
Na fronteira de Barrancos os militares possibilitam a sua permanência em território português, e no espaço liminar da fronteira improvisam campos de refugiados, até ser decidido oficialmente o seu destino. O tenente Seixas assumiu a responsabilidade dos campos, sendo posteriormente oficializado pelo governo português o campo da Coitadinha. Contudo, foi permitindo a concentração mais três centenas de refugiados nas Russianas sem conseguir que o Director da PVDE oficializa-se a sua existência. Paralelamente, os refugiados conviveram com o terror que trespassava a fronteira portuguesa, através de relatos de fuzilamentos de parentes e amigos, contribuindo para que portugueses e espanhóis partilhassem da emoção colectiva do conflito.
A política do Estado português e o discurso anti-comunista contribuíram para a construção da “diferença”, no procedimento das autoridades para com os republicanos, todavia, as estratégias de resistência das populações e a acção de alguns militares no terreno opuseram-se ao poder dominante. Nos campos de Barrancos os refugiados viveram o “tempo da acção”, apesar de incerto, na luta pelo direito à vida, forjado em compromissos políticos internacionais que asseguraram o regresso ao país de origem. Na hora da partida para Tarragona o tenente Seixas conseguiu assegurar o transporte de todos os refugiados dos campos de Barrancos, cujo número excedia o que era oficialmente conhecido pelo governo português, sendo por isso penalizado com dois meses de suspensão e passagem compulsiva à reforma. Contudo, recorreu da sentença e foi reintegrado na Guarda Fiscal como comandante da secção de Sines em 1938.
Mas para os republicanos o medo permaneceu durante a viagem, receando serem entregues aos nacionalistas que sobrevoaram o navio Nyassa ao longo do percurso. Após a chegada a Tarragona os refugiados irão percorrer trajectórias de vida fragmentadas, mas a consciência política atribui-lhes sentido e significado. Os refugiados espanhóis transportavam um forte sentimento ideológico e de honra pessoal. Para muitos dos refugiados de Barrancos a frente de guerra constituiu mais uma etapa das suas vidas, movidos por um ideal político concreto, enquanto na retaguarda as mulheres desenvolviam trabalho comunitário assegurando a sua sobrevivência e a de seus filhos. À medida que os nacionalistas foram devastando a Espanha republicana, estes homens mulheres e crianças foram obrigados a encetar novas trajectórias de vida, que vão desde a prisão ao exílio. Novamente em trânsito milhares de pessoas percorrem uma caminhada imensa a pé, desde a Catalunha ao sul de França. Trespassada a fronteira são instalados em campos improvisados à beira-mar, “à margem do mundo e da humanidade” tal como “párias” ou “intocáveis” da sociedade hindu, com os quais o contacto físico é simbolicamente poluente. Esperando, esperando, dependentes de acordos e da acção humanitária internacional. Os que tinham menos recursos reconstruíram as suas vidas em França, sem jamais regressarem a Espanha e às suas povoações de origem, representando o percurso de vida da maioria dos refugiados.
Na década de 1940, aqueles que sobreviveram à pena de morte, à prisão e aos campos de concentração franquistas, regressaram às suas povoações, sujeitando-se à justiça das autoridades locais até ser decidido o seu futuro, vivendo vidas suspensas. Transportavam consigo o estigma de “rojo”, e o franquismo negou-lhes o direito à cidadania, condenando-os à humilhação e à marginalização social, perante a indiferença da comunidade internacional. Segundo a Asociación de Descendientes del Exilio Español foram condenadas ao exílio 350.000 pessoas, das quais a maioria ficou em França, Suíça e Rússia, e mais de 50.000 partiram para a América Latina. O México, onde o então presidente Lázaro Cárdenas se negou a reconhecer o governo de Franco, acolheu 25.000 refugiados, concedendo-lhes a nacionalidade mexicana. Do “exílio forçado”, apenas 5% dos refugiados regressaram a Espanha depois da morte de Franco. O poeta Pedro Garfias (falecido no México em 1967) deixou para sempre um poema de dor deste êxodo, cujo primeiro verso dizia: “España que perdimos, no nos pierdas”.
Dulce Simões (Antropóloga).
Dulce Simões (Antropóloga).